Uma Voz na Escuridão
2021 - 14 minutos
Dir. José Neto
Um fio de luz
Um áudio no celular é escutado por mais de 10 minutos tendo como única imagem a luz do próprio aparelho no canto inferior direito do quadro.
Nós escutamos.
Talvez alguém mais escute, escondido na penumbra formalista.
O quadro inclui o visível (fonte da luz) e o invisível (quem fala e quem escuta).
Um fio de luz modulado por dentro das camadas do quadro.
É o mínimo para uma imagem em cinema: um fio de luz.
É também seu potencial máximo: a modulação da luz no quadro.
Um plano em camadas, mudanças por dentro do mesmo enquadramento, encontro entre ideias, experiências, desejos de cinema.
De quem são as vozes?
De quem deseja criar.
A viabilidade persistente do fazer cinematográfico, livre na forma e no modo de produção, é expressa por esse fio de luz no corpo do filme
Essa viabilidade persistente é também pensada no particular e no geral pelo áudio de celular cuja reflexão espiralada começa nos modelos aristotélicos e iluministas, associados aos valores burgueses, e chega ao ambiente familiar
Viabilidade persistente. Algo disso permeia e norteia esse fazer fílmico.
A família é parte concreta dessa viabilidade, não apenas as condições eletivas e seletivas do meio cultural.
A mãe não é da cinefilia, da crítica, das curadorias. A mãe é público. A mãe é a censura e o estímulo
A mãe, diante de uma dificuldade financeira e da possibilidade do filho vender a câmera, clama: filme! Encontre pessoas para filmar.
Este áudio iluminado por um fio de luz em um plano estático lida com o cinema não como fetiche ou como material de cinefilia.
O cinema aqui é uma necessidade e lida com condições concretas.
O que está em jogo é quem pode ou não filmar
Quem pode ter o privilégio de criar imagens para, nas palavras escutadas no aúdio, sobreviver às condições fodidas em um país que esmaga os indivíduos. ?
A constatação tem algo de sganzerliana: quando não se tem dinheiro é melhor fazer um filme.
Texto por Cléber Eduardo