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Último Gás


 

2020 - 6 minutos
Dir. Duda Gambogi


 

     O filme começa em tela preta. Em meio aos sons da cidade, ouvimos também os ecos da conhecida Saturday Night do grupo belga de electro dance The Underdog Project. Os ecos da música enérgica parecem convocar um início, um levante: “We got a party going on, get ya hands up”! Somos então levados à imagem da personagem, enclausurada em seu quarto, com sua sombra projetada na parede. É neste quadro que ela lê um edital de incentivo à produção artística, de maneira distraída ou desesperançosa, nele assistimos uma performance de um corpo que vai se perdendo na leitura das cláusulas e regras. 

     Na simplicidade de Último Gás reside também sua genialidade. Concebido e encenado por Duda Gambogi, o filme se faz com estes poucos elementos, parece simples, mas vamos percebendo uma grande provocação da narrativa desse corpo. Em meio à pandemia, frente às grandes afrontas e ações de desmonte da cultura e memória artística, cai sobre os editais de incentivo um peso de salvação, mas também uma camada controversa de pensamento acerca de quem está de fato ganhando acesso, quem tem a possibilidade de formatar um projeto e para quem estes projetos selecionados estão sendo feitos? O filme subverte essa lógica se revelando nesta cena, se impõe e se manifesta.

     Os sons da cidade parecem incomodar, provocar, atrair e interagir com a personagem, sons das construções, reformas, movimento de expansão da cidade que não para nem mesmo enquanto a sociedade enfrentando um de seus períodos mais calamitosos. O corpo ali, enclausurado, entediado, mas revolto. As diversas camadas sonoras parecem em momentos se alinhar, criam ritmos, repetições, como uma máquina de batidas que anima o corpo de energia, construindo seu momento, sua festa, seu sábado à noite, perdido no tempo pandêmico. O corpo por inteiro se expõe e, dança clamando por sua liberdade, a liberdade de fazer filmes, a liberdade do fim de semana como complementa a música dos créditos. A personagem entoa diferentes canções populares de diferentes estilos de pista, do dance ao funk, ritmados pelos diversos sons da cidade. Marcadamente a cidade que não para nem com a pandemia: marteladas, britadeiras, ambulâncias e carros, até sons que parecem explosões ecoam em consonância com seus movimentos.

     O filme está ali, se fazendo em frente de nós, com ou sem edital, com ou sem corpo, com ou sem festa. Atitude forte e de resultado vibrante enquanto expressão das limitações físicas e discursivas impostas pelo atual cenário político. O corpo, a dança, a festa acontecem e desabam em si. Um Último Gás, última dança, último grito de vida e vontade!

Texto por Guilherme Lima de Assis

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