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2020 - 22 minutos
Dir. André Sandino

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"Tem muitos modos de ser masculino", enfatiza Márcio Januário, à fala de Vitor Trope, seu amigo e companheiro artístico. Atualmente, muito tem se debatido a respeito do que é ser homem e sobre como esses "muitos modos de ser masculino" se emaranham em nosso convívio social e político, Olivia Gazalé, por exemplo, se debruça sobre o tema e nos aponta que existe as masculinidades e a virilidade; sendo a primeira, as infinitas possibilidades de se performar como homem; e a segunda um arquétipo social inalcançável, um mito. Palavra sem equivalente feminino que designa o que um homem deve ser, cria-se um padrão de comportamento o qual indivíduos masculinos devem moldar-se à imagem e semelhança, imagem de força e virilidade.

  As Canções de Amor de uma Bixa Velha (2020), filme de André Sandino Costa, consegue desmistificar esse "devir do homem" com seus personagens e seus respectivos espectros de masculinidades. O tempo e o envelhecer são elementos constantes das reflexões de Márcio Januário, que guia o documentário com facilidade, ora com trechos de sua performance em palco em seu show cujo filme é homônimo, ora com conversas em tom de bastidores, na casa de Januário, conversas que expõem o processo criativo de dele enquanto artista e o que de sua subjetividade está impresso no espetáculo, desde seu corpo em cena - o misto de uma estética Secos e Molhados carregada da dramaticidade de Maria Bethânia - à escolha do repertório musical - que carrega consigo uma identidade cultural nacional "bagaceira e de qualidade", de acordo com o próprio -, ambos se costuram 

para formar esse corpo-retalho enérgico, mas ciente do tempo e do repertório de saber que este lhe proporcionou armazenar.

  André Sandino Costa, de maneira concisa, consegue apresentar personagens complexas e profundas com o olhar atento a não resumi-las àquela persona em tela. Seja através da montagem que estende o momento do corte para manter um silêncio final ou uma pausa para elaboração, seja através do movimento de trazer canções do espetáculo de Márcio à tela.

  As Canções de Amor de uma Bixa Velha, para além de um documentário que retrata o processo criativo de um fantástico artista que é negro, bicha, periférico e cinquentenário. O filme e seus personagens nos relembra a afirmação de bell hooks acerca do sujeito homem negro: "Um homem negro livre, confortável em seu corpo, capaz de sentir seu desejo sexual e agir afirmativamente em relação à vida: esta é a ilegalidade radical que essa nação teme". Márcio Januário é essa ilegalidade radical. Márcio Januário e seu impulso de se mobilizar e se expressar, nos traz uma fagulha necessária para questionarmos estruturas, sejam elas de gênero, sejam elas da nossa produção cultural atual. Márcio Januário é uma bixa, preta e velha que - voltando a me utilizar das palavras de bell hooks - essa nação teme e realmente deve temer.