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Sessão de Abertura

Abertura não é só uma primeira sessão!

 

Uma sessão de abertura não é somente uma primeira sessão. É uma abertura para o que virá a seguir na programação e, neste sentido, é uma sessão emblemática de uma proposta de festival. Três filmes abrem esta proposta. São inquietações sutis, discretas e calmas, nunca desprovidas de emoções, mas marcadas por delicadezas. 

 

E o que a delicadeza tem a ver com a inquietação? 

 

É moeda corrente que a inquietação, em linhas gerais, é ansiosa e agressiva, procura antes quebrar pratos que construir alguma coisa. Em parte, pode ser isso. E também, em parte, o seu contrário. É o caso dos filmes desta sessão de abertura. 

 

Há no tecido de delicadezas desde uma proposta mais controlada em seu desenvolvimento até outra pautada pela organicidade do observacional direto, com o equilíbrio entre o controle da confecção e as imagens diretas da observação em uma terceira proposta.

 

O ensaio e o direto. 

 

O ensaio é dos modos, em suas variações, mais recorrentes. Foram muitos entre os inscritos, há alguns entre os programados. O modo formal anda tão em alta que passa a viver seus momentos de baixa, com suas repetições, facilidades, repetições, cacoetes e originalidades já calcadas em fórmulas. 

 

O documentário direto também é uma forma em alta, mas sobretudo nos longas metragens. É mais raro nos curtas, por isso, nos dois exibidos nesta sessão, sua prática é exceção, com olhar por dentro e de dentro em um deles e o outro com um olhar de fora, mas com seu dentro.
 

Pequenas Considerações sobre o Espaço-Tempo, filme de Fortaleza, abre a sessão com uma esquematização: a do texto em primeira pessoa de sua protagonista sem corpo e sem imagem, posto em relação com fotos familiares genéricas, em cima das quais propõe um jogo narrativo/ficcional, driblando o testemunho autobiográfico como senha de acesso. É ao mesmo tempo um filme simples e elaborado, ao mesmo tempo reflexo de seu tempo histórico estético e inquieto com seu lugar nesse tempo (o tempo dos ensaios, das reflexões subjetivas, das memórias familiares, das fotografias)

 

Inspirações não é curta de memória, mas de presente e do futuro, com seu modo direto e simples, a acompanhar algumas adolescentes de uma escola pública no Rio, sempre no interior da escola, cujos muros são ultrapassados pela presença delas.  O que é dito, obviamente, tem importância. Mas talvez não seja o mais importante. Existem as forças no interior dos planos e das cenas, o autêntico e o orgânico, como se diz com tanta frequência, mas também existe elaboração, uma preparação de ambiente para as situações fluírem. 

 

Atividade ligada à escola, não é um filme de cineastas em busca de um mundo social ou de personagens interessante, mas uma expressão maior, mais ampla em sua falta de compromisso com o campo do cinema, da arte e da estética. Uma expressão pela necessidade de expressar (se). Isso não significa que, na realização, até mais que no planejamento (suposição), não haja elaboração. Há. E muito feliz

 

Muitas coisas acontecem por conta da presença motivadora da câmera.  Não é uma câmera ansiosa, com taquicardia, mas uma câmera atenta, concentrada, que está focada nas garotas, não no enquadramento. A poesia está no corpo e as emoções não são parte de uma estratégia de extrativismo sentimental. É filme cujo material tem uma crueza cheia de sutilezas

Ver a China é um curta de natureza universitária/estudantil, de São Paulo, com maioria das filmagens na China, parte de um projeto internacional para estudantes. A diretora usa sua primeira pessoa para acentuar a distância a ser coberta e diminuída entre sua proposta de filme e as mulheres chinesas diante da câmera e em trabalho. É filme de uma sobriedade aparentemente natural, mas sabemos tratar se de um tom procurado, com uma relação complexa entre olhar e ser olhada, entre compartilhar encontro e reproduzir controle pela observação (ótima a câmera de segurança).

 

O trio de filmes desta sessão de abertura expõe na soma deles possibilidades distintas do cinema contemporâneo, com seu olhar para a memória ficcionalizada, para o presente de um ambiente visto e vivido de dentro e para o encontro cheio de ruídos entre culturas distintas, mas com afetos possíveis de serem compartilhados e reconhecidos para além da linguagem e dos contextos estruturantes.

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