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Manual do Zoeiro Sem Noção


 

2020 - 16 minutos
Dir. Joacélio Batista


Entre a piada diluidora e o desejo político

 

Há filmes cuja força está na zona de ambiguidades e dúvidas reverberadas por suas premissas e por suas escolhas. 

 

É o caso de Manual do Zoeiro sem Noção

 

Temos de largada crianças, meninos, com rosto coberto por blusas, como se fossem do narcotráfico. 

 

A pose dos garotos amplifica essa relação. 

 

Eles são mostrados em brinquedos e brincadeiras

 

A voice over de um dos meninos, lendo um manual de conduta dos zoeiros sem noção (e sem nação?), orienta a percepção dessas brincadeiras.

 

O texto lido, apesar da ironia de suas palavras (força e problema), é de guerrilha (das muitas dos anos 6o e 70 na América do Sul)

 

Marighella com crianças. 

 

Os zoeiros podem e devem quase tudo em nome da resistência a qualquer regra (de modo genérico): assalto, ocupações, emboscadas, sequestros, explosivos, sabotagens e memis. 

 

São arteiros e não artistas.

É paradoxal

 

Porque nas imagens e nas palavras são muitas as regras. E tarefas. O que é representação de brincadeira na verdade é dever

Não se trata de uma militância pela liberdade, a partir das crianças, ou mesmo da criação e invenção, também a partir da infância. 

 

É antes  um chamado mirim zombeteiro e lúdico à desobediência civil.

 

As ambiguidades e dúvidas, desde a premissa, estão em cima de três pilares: as crianças, a ironia e a política

 

O modo das atuações infantis nas imagens deixa a dúvida se é em alguma medida a expressão bem humorada, apesar de  auto-controlada no flerte com a ultrapassagem de limites artísticos de seu tempo  (e quem ainda os ultrapassa?), de um desejo de reações diretas e de confronto em tom retrô, performando por meio do mundo infantil uma forma de reação política tangencial.

 

Reação a quê e a quem?

 

À ideia genérica de crise sistêmica.

 

As crianças em muitos filmes e em muitos tempos foram veículos de simbolizações políticas do mundo dos  adultos e dos países. 

 

São modos de se contrabandear pela infância as metáforas e críticas à sério.

 

Há expressão de algum desejo político ou apenas uma brincadeira? 

 

Há risco de  diluição das ideias de ações políticas diretas nessa utilização das crianças para atuar em brincadeiras com um texto de guerrilha?

 

A ironia tem dessas armadilhas e em arte isso é fascinante. 

 

Assim como perigoso. 

 

Ainda mais com crianças. 

 

Que se resgate os perigos na criação para não sufocarmos com uma arte cerceada pelos deveres dos acertos e dos gestos corretos  em busca de autorização, aprovação  e de legitimidade. 

 

Manual do Zoeiro sem Noção, aparentemente com clareza das censuras de variadas naturezas e endereços de seu tempo, aproxima-se da linha vermelha, ameaça ultrapassá-la, mas não chega a fazê-lo.

 

É antes um filme de ousada negociação do que efetivamente um filme de confronto.

 

Pois é nesse limite entre a brincadeira diluidora e o desejo de reação política direta - por meio de brincadeiras infantis - que a força do curta é construída sempre com uma ambígua consciência de cada passo.

Texto por Cléber Eduardo

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