Sessão Rituais e Encontros
Texto por Leo Sabanay
Buscando contemplar um conjunto de produções realizadas fora do eixo convencional das grandes cidades do país, surgiram sessões com curta-metragens feitos em municípios do interior. Começando por esta primeira sessão intitulada ‘’Rituais e Encontros’’, onde reunimos dois documentários que abordam sobre as relações entre cultura e memória e os projetos de apagamento das formas tradicionais que os grupos que protagonizam estes filmes possuem em relação ao entorno em que vivem.
O primeiro dos dois filmes tem seu nome baseado na história de resistência do povo Kariri, que antigamente eram conhecidos por Tapuias Bravos ou Fôlegos Vivos, contra os invasores de suas terras. O segundo filme se coloca em uma discussão sobre as contradições de um evento popular e a preservação do espaço público e privado, através do título A Casa e A Rua.
Fôlego Vivo de Juma Jandaíra é um curta-metragem realizado junto a uma comunidade indígena situada na Chapada do Araripe, zona rural de Crato, no estado do Ceará. Aqui acompanhamos uma abordagem que mescla entrevistas, encenações e a presença de uma voz que narra o mito dos fôlegos vivos, nos dando a história de seu povo em comunhão com estas terras. Vemos anciãs falarem sobre a organicidade de sua relação com o rio São Francisco e seu entorno, onde trazem memórias das imposições do homem branco com seus projetos de domínio sobre as águas sagradas que os kariris conviviam. Há um movimento que divide dois atos da narração: a do narrador que fala em nome da história dos fôlegos vivos e a narração oral de corpos que carregam suas experiências de afeto e resistência junto a este lugar ainda visado pelos colonizadores do presente.
Na sequência nos mantemos em um outro contexto onde corpos defendem suas raízes e buscam preservar uma história local com o filme A Casa e A Rua de Taise Andrade. A realizadora carrega consigo um material captado desde 2007 no município de Cruz das Almas, onde acompanhou seu irmão que participava da queima de espadas, uma tradição de queima de fogos de artifícios que criam um cenário único de raios de luz estourando e tomando as ruas junto aos corajosos espadeiros. Há também a platéia do evento: uma maioria de cidadãos que assiste de dentro das casas e estabelecimentos.
Ambos os trabalhos documentam realidades tensionadas pelos poderes que visam atrofiar as possibilidades de uma relação orgânica entre tradições vivenciadas e as comunidades que as dão sentido. A redução territorial que afeta os Kariris da chapada do Araripe, por conta da construção de um açude e do loteamento das terras em que ocupam e a proibição de um festejo popular em Cruz das Almas a partir de 2011 são estratégias de controle e minimização destas existências. Filmar estas tensões é um gesto que preserva estes contextos em risco de desaparecimento, criando um elo entre trajetórias narradas e um presente registrado e assim incorporando, através dos filmes destas realizadoras, raízes fincadas e afirmadas junto aos corpos que residem e resistem nestes territórios usurpados.
Vemos imaginários amalgamados a seus territórios de origem e saqueadores querem dominar estes mundos: é preciso que os corpos mantenham suas raízes fincadas no solo junto a tudo que lhes pertence.