Sessão Do Interior para Fora
Texto por Eduarda Figueiredo
A sessão intitulada “Do interior para fora” concentra-se em seis filmes inscritos como sendo provenientes de cidades que não são capitais de algum estado do Brasil e, portanto, são categorizadas como do “interior” e/ou da “região metropolitana” de uma capital oficial, de um centro urbano, que exerce em relação a esse entorno, geográfico e simbólico, uma influência histórica, cultural, política e econômica. E, tratando-se de um território continental, como o que chamamos de Brasil, é possível notar que existem muitos e diferentes “interiores” em cada espaço dessa circunscrição, assim como existem distintas formas de lidar desde essa posição e de responder cinematograficamente a ela.
Rosas, de Antonella Nicolino, feito em Judiaí (SP), nos apresenta uma interessante pesquisa audiovisual em animação criando formas narrativas muito singulares. Em cada quadro esse estudo cromático e rítmico evidencia-se, de forma minimalista, desdobrando-se reiteradamente através das cores pretas, cinzas e rosas, vermelhas, amarelas, verdes, sobretudo. Isso move os personagens na tela que estão em situação de prisão num campo de concentração e encontram com essa variação da cor vermelha ao marrom algo possível de semear e plantar – gérmens de vida, larvas crescendo no esterco. Há uma esfera de insurreição apesar desse lugar.
Em seguida, Lá Fora, de Guilherme Telli, de Votorantim (SP), nos mostra uma versão audiovisual da peça Fuga, de Tennesse Willians, conforme nos é informado nos créditos. Utilizando-se do contraste da fotografia em preto-e-branco e de um objeto mais ou menos colorido em cena – um vaso com um girassol murcho, opaco e pendurado – o mesmo corpo/ator interpreta diferentes personagens que dialogam sobre algo ocorrendo próximo e fora de quadro de suas vistas. Essa poética opera metaforicamente no filme e propõe uma reflexão sobre algumas palavras como: liberdade, justiça, honra e democracia.
Já Néctar, de Gabriel Silva de Oliveira, de Salto (SP), nos oferece um trabalho bastante inventivo pelo modo como usa uma voz ficcional e pela forma como organiza, em sua montagem, imagens de estoques e arquivos de internet. Nessa senda, é instigante acompanhar tal pensamento audiovisual e o tom sussurrante da narração dissonante, em partes, das imagens e da ambientação soturna e melancólica. Trata-se de uma rara modulação de um áudio-sussurro que arrisca-se saltando em uma experiência mais complexa de sonoridade e sensibilidade.
Depois Ausência, de Igor Cardoso, de Santana (AP), ocupa-se de enfocar numa personagem em deslocamento por partes dos espaços externos e internos de uma cidade, ora em encontros com outras personagens questionando ela e vice-versa, ora fluindo com o que está ao redor dela e com a câmera do filme, ora expressando-se via as inscrições em cartelas feitas pelo próprio filme. Nesse trabalho, há uma intensa procura por lugares e existências e formas de inscrever-se no mundo pelas palavras e por sons e imagens.
O próximo e quinto filme da sessão, Rolê no centro, de Clara Chroma, feito em Pindamonhangaba (SP), apropria-se de materiais de arquivo produzidos, principalmente, sobre um evento que acontece todo ano, no mês de dezembro, nas ruas do centro de Pindamonhangaba (SP) e os problemas que isso revela de uma sociedade repleta de assimetrias. Ao passo que, na montagem, o filme tenciona tais acontecimentos e se posiciona, criticamente, movendo outras imagens e sonoridades desse lugar entre ritmo e poesia (rap) de Pindaiba - ba - Paradoxo (Pindamonhangaba) e as pichações com perguntas incisivas, como: “feliz natal para quem?”.
Supremacia da Fumaça, sexto filme da sessão, de Marcelo Mendes Gomes, de Vila Velha (ES), é um filme estilizado em tonalidades de cor de petróleo e de carvão justapostas às cores cinza-branco e do cinza-preto e do vermelho quente (um pouco de magenta e roxo) no quadro e variações de um azul neon dando sentido aos blocos de imagens da direção de fotografia coladas aos efeitos de sons ruidosos. Nesse uso apneico do espaço tomado pelas fumaças constantes, o corpo de uma personagem tenta respirar sem sinal de avanço sobre essa supremacia da fumaça, da deterioração e do “processo de especulação imobiliária” como mostra no plano em que ela para de correr por instantes. Com uma intenção evidente em cada plano, esse filme nos provoca a revisar nossa percepção global diante das inúmeras produções de fumaça no e do território que estamos, e a refletir acerca dos modos de produção dominantes que impõem condições incontornáveis de falta de ar e água, por exemplo. É um filme que busca imaginar ações que barrem esse sistema hegemônico de produzir fumaças.
Imaginação e experimentação são as ferramentas principais dos filmes da sessão “Do interior para fora” que estão numa posição, não só geográfica como também econômica, de fazer filmes na (da) cidade que não é capital e, alguns casos aqui, conceitualizadas como cidade do interior. Nesse movimento tais trabalhos audiovisuais e seus proponentes tendem a ocupar um entre-lugar que segue também para fora dos contornos das limitações espaciais e temporais, o que tentamos expressar com o nome dessa sessão. “Do interior para fora” não como binarismo cristalizante “ou isto ou aquilo” e sim como experiências dinâmicas e ambivalentes, do cá para lá, do cá e lá ao mesmo tempo, num movimento intervalar entre um lugar e outro.